Opinião: antes de financiar obras no exterior, o Brasil precisa investir com urgência no próprio país
Posicionamento crítico à defesa do presidente Lula de retomar, via BNDES, o financiamento de obras em outros países, enquanto o Brasil ainda convive com pobreza, dependência do Bolsa Família e grave déficit em saneamento básico.

O governo federal encaminhou ao Congresso um projeto de lei para que o BNDES volte a financiar obras e serviços de empresas brasileiras no exterior. A proposta, defendida pelo presidente Lula, busca retomar uma modalidade de crédito que está suspensa desde 2016, argumentando que isso fortalece a exportação de serviços de engenharia e gera empregos no Brasil.
Respeitado o ponto de vista do governo, o posicionamento editorial do DMA Notícias é contrário a essa prioridade. Não se trata de revisitar casos do passado, mas de olhar para a realidade atual: o Brasil ainda tem necessidades internas gigantescas e urgentes, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde a pobreza é mais concentrada e onde milhões de brasileiros vivem com forte dependência de programas sociais.
Os dados mais recentes do IBGE mostram que, embora tenha havido avanços, 23,1% da população ainda vive em situação de pobreza, o que representa cerca de 48 milhões de pessoas, e 7,35 milhões seguem em extrema pobreza. Grande parte dessa população está justamente no Norte e no Nordeste, regiões que historicamente concentram quase metade da pobreza do país.
Ao mesmo tempo, o Bolsa Família permanece como pilar de renda para as famílias mais vulneráveis: em 2025, cerca de 20 a 21 milhões de famílias receberam o benefício em pelo menos um mês, com a maioria concentrada nas regiões Norte e Nordeste. Em diversos estados dessas regiões, já há mais famílias recebendo Bolsa Família do que pessoas com carteira assinada na iniciativa privada, o que revela a fragilidade do mercado de trabalho local.
Em paralelo, o país convive com um déficit gritante em saneamento básico. Segundo estudos baseados em dados do SNIS e do Censo 2022, apenas cerca de 56% da população tem acesso à coleta de esgoto, e pouco mais da metade do esgoto coletado é efetivamente tratado. Outro levantamento mostra que 90 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à coleta de esgoto, e 32 milhões não têm água potável regular em casa. Isso não é um detalhe técnico: falta de saneamento significa mais doenças, mais internações e custos mais altos para o SUS, além de perda de produtividade e de qualidade de vida.
Todo esse cenário convive com um arcabouço fiscal que limita o crescimento das despesas públicas. Pelas novas regras, a expansão dos gastos é atrelada ao desempenho da arrecadação, com tetos para o aumento real da despesa. Isso quer dizer, em português claro, que cada real público é disputado: o que vai para um lado deixa de ir para outro.
Nesse contexto, defender a retomada do financiamento de obras no exterior, por meio de um banco público, pode até ter lógica do ponto de vista da diplomacia econômica e da internacionalização de empresas brasileiras. Mas, na nossa visão, não é essa a prioridade de um país que ainda tem milhões de pessoas sem esgoto, sem água tratada, com renda muito baixa e dependentes de programas sociais para sobreviver.
Antes de pensar em apoiar grandes projetos de infraestrutura em outros países, o Brasil precisa olhar para dentro:
- concluir obras paradas em rodovias, ferrovias, portos e aeroportos;
- acelerar a universalização do saneamento básico;
- investir pesado em educação básica, saúde, segurança e infraestrutura nas regiões mais pobres;
- estimular atividades produtivas que reduzam a dependência exclusiva do Bolsa Família no Norte e no Nordeste.
Num cenário de recursos limitados, o recado é simples: a prioridade deve ser o Brasil e os brasileiros. É legítimo que um governo busque fortalecer empresas nacionais lá fora, mas é ainda mais legítimo — e urgente — que o Estado invista primeiro em garantir dignidade aqui dentro: água limpa, esgoto tratado, cidades estruturadas, empregos de qualidade e menos famílias dependentes exclusivamente de transferência de renda.
Financiar obras no exterior pode ser uma discussão futura, com o país em outro patamar social e econômico. Neste momento, porém, o foco precisa estar onde a carência é maior e mais óbvia: nas necessidades imediatas da população brasileira, especialmente daqueles que vivem nas periferias, no interior, na Amazônia, no sertão e nas áreas urbanas mais pobres.
Na visão editorial do DMA Notícias, o BNDES e o orçamento público devem, antes de tudo, estar a serviço do desenvolvimento interno. Quando o básico ainda falta para milhões, qualquer prioridade diferente disso nos parece um desalinhamento grave com a realidade do país.
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