Aurora Coop — da união no Oeste à mesa do mundo.
Série “Gigantes de SC”.

Num 15 de outubro de 1973, em Chapecó, o barulho metálico do primeiro abate sob a marca Aurora não foi apenas som de rotina industrial. Era o ponto de virada de uma região que decidiu transformar granjas familiares em projeto coletivo de futuro. A semente fora plantada quatro anos antes, em 1969, quando lideranças do Oeste catarinense criaram uma cooperativa central para dar escala, voz e marca a centenas de produtores. A compra e a reforma do antigo Frigorífico Marafon, em 1972, consolidaram o plano — e a história começou a rodar a partir daquele primeiro dia de operação.
Ao longo das décadas, a Aurora consolidou um modelo que explica boa parte de sua resiliência: a intercooperação. Na prática, é a engrenagem que conecta o trabalho de milhares de famílias no campo às cooperativas singulares e, destas, à cooperativa central — responsável por industrializar, garantir padrão de qualidade, abrir mercado e colocar a marca na gôndola e na mesa. Não é apenas escala: é um pacto de desenvolvimento em rede, capaz de distribuir valor no território e manter a base produtiva de pé mesmo nos ciclos ruins.
A vocação exportadora veio como consequência dessa organização. Em 1993, a Aurora fez sua primeira venda internacional; hoje, embarca produtos para uma média de 80 países, em todos os continentes. Em cada mercado, a marca catarinense precisou provar sanidade, qualidade microbiológica, rastreabilidade e regularidade — um passaporte construído com investimento, governança e insistência.
Como toda trajetória longa, houve curvas. 2023 terminou com aprendizado caro: receita bruta de R$ 21,7 bilhões, investimentos de R$ 939,1 milhões e, apesar do esforço, saldo negativo que precisou ser absorvido pelo fundo de reservas. O ano exigiu prudência, afinação de custos e cabeça fria. Foi o lembrete de que agroindústria vive sob múltiplos preços — grãos, energia, câmbio — e que a bússola precisa apontar para o longo prazo.
A resposta veio na temporada seguinte. Em 2024, a cooperativa virou o jogo: faturamento histórico de R$ 24,9 bilhões e sobras (lucro) de R$ 880,5 milhões. Parte da recuperação se explica por alívio no custo dos grãos e por disciplina operacional; outra parte, por presença comercial mais inteligente, privilegiando relacionamento e captura de valor em mercados estratégicos. Para 2025, a estratégia segue apoiada em investimento seletivo e expansão internacional.
O passo simbólico dessa nova etapa foi dado em 19 de maio de 2025, com a inauguração do escritório comercial em Xangai. A aposta: estar onde as decisões acontecem, reduzir a distância com clientes, ganhar sensibilidade de preço e tendência e, aos poucos, qualificar volumes. Começar pela China, com foco em suínos e aves, e expandir o atendimento para Hong Kong, Vietnã e Sudeste Asiático é a maneira de transformar presença em previsibilidade. É, também, reconhecimento de que competir globalmente exige ouvir de perto, falar a língua do cliente e responder no tempo certo.
Se números ajudam a contar a história, são as pessoas que dão sentido a ela. Do lado de fora das plantas industriais, há estradas de terra por onde passam caminhões de ração e caminhonetes que levam veterinários e técnicos de campo; dentro das granjas, há protocolos de biossegurança, manejo, nutrição e bem-estar animal aprendidos em cursos oferecidos pelas cooperativas. São rotinas que não costumam virar manchete, mas sem as quais nenhuma marca sustentaria décadas de confiança. É o tipo de obra coletiva que se mede em anos — e em gerações.
No varejo, a presença da Aurora cresceu com um portfólio que vai do básico do dia a dia a linhas premium e soluções de conveniência. Há uma pedagogia silenciosa nessa expansão: conquistar espaço em gôndola com padrão, logística e relacionamento; defender margens com eficiência fabril; e comunicar atributos de forma honesta, para que o preço “justo” não seja apenas slogan, mas percepção real do consumidor. O efeito colateral positivo é um: quando a indústria local funciona, ela empurra serviços, transporte, comércio e arrecadação nos municípios onde está inserida.
O cooperativismo, por sua vez, exigiu maturidade institucional. Não há atalho para processos de decisão que contemplem produtores, cooperativas singulares e a central; tampouco há como atravessar crises sem governança. Foi essa musculatura que permitiu segurar 2023 e acelerar 2024. E é ela que sustenta movimentos como o de Xangai — uma internacionalização com presença local, menos refém de intermediações e mais perto do cliente final.
Há desafios no horizonte, e eles são conhecidos: volatilidade de milho e soja; câmbio; barreiras sanitárias cada vez mais rigorosas; exigências ambientais que pressionam cadeias inteiras; e o desafio demográfico de manter os jovens no campo com renda, tecnologia e sentido. Nada disso é trivial. Mas um sistema que aprendeu a coordenar interesses diversos, investir em sanidade e qualidade, e operar com visão de décadas carrega vantagens competitivas difíceis de copiar.
Linha do tempo — marcos essenciais
• 1969 — Fundação da cooperativa central no Oeste catarinense.
• 1972 — Aquisição do Frigorífico Marafon, em Chapecó.
• 15/10/1973 — Início oficial da operação industrial sob a marca Aurora.
• 1993 — Primeira exportação; caminho aberto para 80 países.
• 2023 — R$ 21,7 bi de receita; investimentos de R$ 939,1 mi; saldo negativo absorvido por reservas.
• 2024 — Faturamento histórico de R$ 24,9 bi; sobras de R$ 880,5 mi.
• 19/05/2025 — Inauguração do escritório em Xangai, China.
Mais que uma cronologia de conquistas, a trajetória da Aurora é um lembrete do que Santa Catarina constrói quando decide cooperar: competitividade que nasce no campo, indústria que aprende a competir com o mundo e uma marca que carrega, no próprio nome, a história de gente que trabalha em conjunto. Reconhecer isso não é mera gentileza — é entender por que essa obra coletiva segue de pé, adaptável, e por que a cena de 1973 ainda ecoa, agora multiplicada em fábricas, portos e prateleiras espalhadas pelo Brasil e por dezenas de países.

No fim, o que este capítulo da série “Gigantes de SC” registra é um agradecimento: aos que imaginaram, aos que investiram, aos que produziram e aos que seguem melhorando, dia após dia, um sistema que é tão técnico quanto humano. A Aurora é, literalmente, a soma de todos nós — e isso faz toda a diferença.
