BOMBA-RELÓGIO

Um chamamento à responsabilidade.

O Brasil precisa encarar um fato simples e incômodo: direitos trabalhistas custam dinheiro — para empresas, para o setor público e, no fim da linha, para consumidores e trabalhadores que pagam a conta na forma de preços, impostos ou oportunidades de emprego perdidas. Ampliar direitos pode ser justo e necessário, mas fazer isso de forma contínua e fragmentada, sem medir impacto e sem fonte de custeio, ameaça a própria sustentabilidade do sistema de proteção social.

Nos últimos anos, proliferaram propostas bem-intencionadas — algumas imprescindíveis —, porém apresentadas sem avaliação econômica robusta, sem faseamento e com baixa previsibilidade regulatória. O resultado é um ambiente de negócios mais arriscado, menor apetite para contratar e repasse de custos para bens e serviços essenciais. Em setores de baixa margem, a conta fecha com automação, terceirização ou informalidade.

Este especial não é contra direitos. Ao contrário: defender direitos exige garantir que sejam financiáveis e que melhorem a vida de quem trabalha sem destruir empregos. Por isso, é imprescindível que o Congresso pare, calcule e priorize: cada nova obrigação deve vir com Análise de Impacto Regulatório, estimativa de custo por setor, fonte de custeio, mecanismos de revisão e espaço para negociação coletiva.

Aos legisladores, fica o chamado: responsabilidade fiscal e responsabilidade social andam juntas. A agenda trabalhista precisa olhar o conjunto, não o projeto isolado; medir efeitos em preços e emprego, e preservar a competitividade que sustenta a arrecadação e viabiliza políticas públicas. Sem esse equilíbrio, a “ampliação de direitos” corre o risco de virar promessa vazia — boa no discurso, inexequível na prática.

DIRETO AO PONTO

1) O que já está no “pacote” de direitos (base jurídico-econômica)

Constituição (art. 7º) e CLT asseguram, entre outros:

  • Férias anuais de 30 dias com remuneração; regras nos arts. 129–153 da CLT.
  • Descanso semanal remunerado de 24h (Lei 605/49) e preferencialmente aos domingos (art. 67 da CLT), fundamento das escalas 6×1.
  • Horas extras com limite de até 2h/dia e adicional mínimo de 50%, salvo regimes excepcionais convencionados (ex.: 12×36 no art. 59-A).
  • FGTS: depósito mensal de 8% da remuneração em conta vinculada.
  • 13º salário, adicionais (noturno, insalubridade, periculosidade), licenças (maternidade/paternidade) e outras garantias constitucionais.

Leitura econômica: esse núcleo de direitos eleva o custo total por trabalhador (além do salário “de bolso”), compondo o chamado custo do trabalho. Estudos do Senado e da FGV mostram que, a depender da metodologia, encargos e obrigações podem representar parcela relevante do custo laboral; por isso, mudanças regulatórias têm efeito de 1ª ordem sobre preço, emprego e formalização.

2) O que está em discussão

2.1 Licença menstrual (até 2 dias/mês)

A Câmara aprovou o PL 1.249/2022: licença remunerada, até 2 dias consecutivos por mês, para mulheres com fluxo intenso ou sintomas incapacitantes, mediante laudo; o texto segue para o Senado. Detalhes (escopo, comprovação, custeio) serão cruciais na tramitação.

Implicações econômicas (o que olhar):

  • Frequência e elegibilidade: o custo depende da proporção de trabalhadoras elegíveis e da incidência clínica de sintomas incapacitantes.
  • Substituição/absenteísmo: setores com turno/atendimento (saúde, educação, varejo) podem ter custos de cobertura. Em contrapartida, há potencial ganho de produtividade e redução de presenteísmo (trabalhar doente e render menos).
  • Custeio: se o ônus ficar integralmente no empregador, tende a ser repas­sado a preços em mercados competitivos; se houver fundo/compartilhamento (como ocorre com alguns benefícios), o impacto direto sobre preço/emprego pode ser menor. (O texto aprovado não criou novo fundo específico.)

2.2 Escala 6×1 (o que a lei já diz)

A escala 6×1 é compatível com a CLT, desde que haja descanso semanal de 24h e respeito aos limites de jornada/horas extras. O descanso deve recair preferencialmente ao domingo, mas pode ser rodiziado por conveniência do serviço; jurisprudência do TST regula adicionais e rodízios.

Implicações econômicas: como regra já existente, clareza normativa tende a reduzir litígio e custo jurídico; porém, se novas propostas ampliarem adicionais obrigatórios aos domingos/feriados sem contrapartida de produtividade, há pressão de custo em comércio, serviços e turismo — setores intensivos em trabalho aos fins de semana.

3) Custo do trabalho, preços e emprego: o que a evidência sugere

  • Encargos e obrigações: levantamentos do Senado e análises do Ipea/FGV mostram que encargos sobre a folha e benefícios legais aumentam o custo de contratar. Quando o custo sobe sem ganho de produtividade, empresas ajustam via preço, automação ou nível de emprego/formalização.
  • Desoneração da folha: a alternância entre desonerar/reonorar a folha (Leis 14.784/2023 e 14.973/2024, com transição) reflete a tentativa de equilibrar emprego, arrecadação e competitividade; há divergência entre estudos sobre quem se beneficia e quantos empregos se preservam.
  • Repasse a preços: em mercados concorrenciais, custos trabalhistas extras tendem a aparecer nos preços; em mercados com poder de mercado, parte pode ser absorvida em margem (até certo limite). No varejo e serviços locais, o repasse costuma ser rápido.

Efeito líquido sobre emprego

  • Curto prazo: novas obrigações podem travar contratações marginais (especialmente micro e pequenas empresas), com ganho social (direito) de um lado e custo do outro.
  • Médio prazo: se a regra reduz absenteísmo e melhora produtividade (ex.: licença bem desenhada com comprovação médica e gestão de turnos), parte do custo se paga. O diabo mora no desenho: elegibilidade, teto de dias, comprovação, custeio e possibilidade de acordo coletivo.

4) Três cenários para 2025–2026 (licença menstrual + ambiente regulatório)

  1. Aprovação com custeio 100% empregador
    • Preço: repasse moderado em serviços que exigem cobertura de turno.
    • Emprego formal: risco de substituição por automação/terceirização em setores de baixa margem.
    • Mitigação: acordos coletivos para banco de horas, teletrabalho pontual no dia de afastamento.
  2. Aprovação com regras restritivas + possibilidade de compensação
    • Preço: repasse menor; efeitos diluídos.
    • Emprego: impacto limitado; produtividade preservada.
    • Mitigação: protocolos médicos claros; digitais para atestado e rodízio de cobertura.
  3. Aprovação com compartilhamento de custeio (ex.: compensação fiscal limitada ou fundo setorial)
    • Preço/emprego: o custo direto à firma cai; efeito fica no orçamento público (trade-off com arrecadação/previdência).
    • Governança: exige fonte de recursos e regra anti-fraude.

5) O que empresas e formuladores podem fazer agora

Para empresas

  • Mensurar impacto por unidade/turno; mapear elegibilidade; redesenhar escalas (6×1, 12×36) com banco de horas e substituições.
  • Protocolos de saúde (teleorientação, canal de acolhimento) reduzem presenteísmo e melhoram produtividade.
  • Compliance com CLT vigente: DSR (Lei 605/49), horas extras (art. 59), descanso (art. 67), férias (arts. 129–153), FGTS (Lei 8.036).

Para o Congresso/Governo

  • Cálculo de impacto regulatório ex ante, com cenários de emprego e preços por setor.
  • Flexibilidades por acordo coletivo (onde fizer sentido), mantendo proteção e previsibilidade.
  • Coerência com a política de desoneração/reoneração da folha para evitar sinal trocado.

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