Derinkuyu: a cidade subterrânea que abrigava até 20 mil pessoas nas entranhas da Capadócia
Entre túneis, poços e portas de pedra, Derinkuyu conta a história de um povo que precisou desaparecer para sobreviver.

Sob o solo da Capadócia, na região central da Turquia, existe uma cidade inteira construída para desaparecer do mapa. É Derinkuyu, uma impressionante cidade subterrânea escavada na rocha vulcânica, capaz de abrigar até 20 mil pessoas, além de animais e provisões. Localizada no distrito de Derinkuyu, província de Nevşehir, ela se estende a uma profundidade de cerca de 85 metros, sendo considerada a maior cidade subterrânea escavada já descoberta no mundo.
Derinkuyu não é um porão ampliado: é um verdadeiro labirinto vertical. São pelo menos oito níveis claramente identificados e abertos ao público hoje, com estudos apontando para estruturas ainda mais profundas, que podem chegar a 18 ou até 20 níveis interligados. Em seus corredores estreitos e câmaras talhadas na rocha, há estábulos, depósitos de alimentos, cozinhas, refeitórios, adegas, prensas de vinho e óleo, cisternas, poços, espaços de convivência e áreas religiosas. No segundo andar, uma ampla sala com teto abobadado é identificada como antiga escola religiosa, com salas de estudo anexas. Mais abaixo, entre os níveis três e quatro, escadarias verticais conduzem até uma igreja esculpida no último nível acessível.
O que torna Derinkuyu ainda mais impressionante é o grau de planejamento para sustentar a vida de milhares de pessoas debaixo da terra. O sistema de ventilação é uma obra-prima de engenharia antiga: mais de 50 dutos de ventilação distribuem ar fresco por toda a cidade, permitindo que famílias permanecessem ali por longos períodos em segurança. Um poço com mais de 55 metros de profundidade garantia água para quem estava escondido, podendo ser isolado por dentro em caso de ameaça externa.
A defesa também foi pensada nos mínimos detalhes. Entradas e corredores estratégicos podiam ser fechados por gigantescas portas de pedra arredondadas, que rolavam e travavam os acessos como verdadeiros “tampões” de rocha de até centenas de quilos. Cada andar podia ser isolado separadamente, criando pontos de estrangulamento em túneis estreitos – um invasor, mesmo que encontrasse a entrada, teria grandes dificuldades para avançar, enquanto os moradores conheciam cada curva e passagem secreta.
A origem exata da cidade ainda é tema de estudo, mas as evidências indicam que as primeiras estruturas foram escavadas pelos frígios, entre os séculos VIII e VII a.C., aproveitando a rocha vulcânica macia (tufo) típica da Capadócia, fácil de cortar quando fresca e resistente após exposta ao ar. Ao longo dos séculos, especialmente na era bizantina, Derinkuyu foi expandida e adaptada como refúgio contra sucessivos invasores: árabes durante as guerras bizantino–árabes, depois grupos turcos e até as incursões mongóis.
Para cristãos da região – gregos capadócios e armênios – a cidade subterrânea funcionava como uma fortaleza invisível. Em tempo de paz, vivia-se na superfície; em tempo de perigo, famílias inteiras desciam para o subsolo, levando animais, alimentos e objetos de valor, fechando as entradas atrás de si. Relatos históricos registram o uso dessas cidades como esconderijo até o início do século XX, inclusive durante períodos de perseguição e massacres, antes da grande troca populacional entre Grécia e Turquia em 1923. Depois disso, os túneis foram abandonados.
Derinkuyu ficou esquecida até a década de 1960, quando um morador, ao reformar sua casa, derrubou uma parede e descobriu um corredor que não constava em planta alguma. A curiosidade levou a investigações arqueológicas, que revelaram pouco a pouco a dimensão da cidade subterrânea. Em 1969, parte do complexo foi aberta à visitação, e hoje milhares de turistas descem pelos mesmos túneis que, durante séculos, foram rota de fuga e sobrevivência.
Mais do que uma curiosidade turística, Derinkuyu é um testemunho de como povos antigos lidaram com medo, guerra e sobrevivência usando criatividade e engenharia. Ao conceber uma cidade inteira sob a terra, capaz de proteger até 20 mil pessoas com ar, água, comida, abrigo e fé, eles deixaram para o mundo um recado silencioso: quando a superfície se torna perigosa, o espírito humano encontra maneiras quase inimagináveis de se adaptar.
