Feminicídio em Santa Rosa do Sul: até onde estamos indo como humanidade?

Crime brutal reacende questionamentos sobre a escalada da violência contra mulheres e o rumo da sociedade.

Reprodução/Redes Sociais

Violência e morte. Infelizmente, esses fatos se repetem mundo afora e, cada vez mais, deixam de ser “casos isolados” para compor um quadro permanente de brutalidade humana. Desta vez, o cenário é Santa Rosa do Sul, pequena cidade do interior de Santa Catarina. Débora Ester Araújo da Silva, 33 anos, foi encontrada morta dentro de casa, após ser esfaqueada pelo ex-companheiro. Segundo o relato inicial, uma discussão antecedeu o crime e, quando a Polícia Militar chegou ao local, Débora já estava sem vida, com várias perfurações no abdômen. Uma testemunha contou que o agressor estava alterado e fazendo ameaças.

O que aconteceu com Débora tem nome: feminicídio – quando a mulher é morta pelo simples fato de ser mulher, em contexto de violência doméstica, ódio, menosprezo ou controle. Casos assim se repetem em todo o país, quase sempre com o mesmo roteiro: fim do relacionamento não aceito, histórico de agressões, ameaças anteriores, sensação de impunidade ou descrédito na proteção oferecida pelo Estado. No Brasil, quatro mulheres são assassinadas por dia vítimas de feminicídio, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, com a esmagadora maioria dos crimes cometidos por companheiros ou ex-companheiros, muitas vezes dentro da própria casa.

Em Santa Catarina, a realidade também é dura. Entre 2019 e 2024, o estado registrou, em média, uma mulher morta por semana vítima de feminicídio – foram 335 casos no período, cerca de 55 por ano. Houve alguma queda recente nas estatísticas, é verdade, mas os números seguem assustadores, e estudos lembram que o feminicídio é “a ponta do iceberg”: antes da morte, quase sempre houve agressões, ameaças, controle, humilhação e silêncio.

Quando olhamos para esse cenário, a pergunta que se impõe é: que caminho a humanidade está trilhando? Como é possível que relações que nasceram de afeto terminem em ódio e morte? Que modelo de masculinidade está sendo construído para que tantos homens achem que têm “direito” de decidir sobre a vida e a morte de uma mulher que não quer mais estar ao lado deles? Em plena era da informação, com leis específicas como a Lei Maria da Penha e a tipificação do feminicídio no Código Penal, continuam surgindo casos como o de Débora em cidades grandes, médias e pequenas.

A tragédia de Santa Rosa do Sul não é apenas um drama familiar. É um sinal de alerta coletivo. Exige resposta das instituições – polícia, Judiciário, Ministério Público, prefeituras, governos – e também da comunidade, vizinhos, amigos, colegas de trabalho. Precisamos, como sociedade, levar a sério qualquer sinal de ameaça: brigas constantes, ciúme doentio, controle sobre redes sociais, restrição de amizades, ofensas, empurrões, “apenas uma vez”. Tudo isso é parte do mesmo ciclo que, em muitos casos, termina em feminicídio.

Também é necessário cobrar mais do poder público: delegacias especializadas acessíveis, equipes treinadas, resposta rápida a medidas protetivas, políticas de abrigos para vítimas, campanhas permanentes nas escolas e nos meios de comunicação. Relatórios recentes mostram que, apesar de alguma redução numérica, o Brasil ainda contabiliza mais de 1,4 mil feminicídios por ano, e Santa Catarina mantém índices que, embora em queda, continuam altos demais para qualquer sociedade que se pretenda minimamente civilizada.

Mas a reflexão não pode parar nas estatísticas. É preciso encarar a dimensão humana. Débora não é um número, uma linha de planilha, um caso policial. Ela tinha história, vínculos, sonhos, planos. Tinha 33 anos. Familiares, amigos e uma comunidade inteira agora convivem com um vazio que não se preenche. Cada feminicídio é uma vida interrompida, mas também um conjunto de vidas marcadas para sempre.

Diante disso, este texto não se limita a registrar mais um crime. É também um convite à consciência:
– para que homens revejam comportamentos, entendam que rejeição não é ofensa à honra;
– para que familiares e amigos não banalizem sinais de abuso (“isso é coisa de casal”);
– para que o Estado funcione antes da tragédia, não apenas depois do corpo no chão.

O caso de Santa Rosa do Sul, assim como tantos outros, nos obriga a encarar a pergunta que incomoda, mas precisa ser feita: vamos continuar naturalizando a morte de mulheres ou vamos, finalmente, mudar o rumo da nossa humanidade?

Débora merece justiça. E todas as outras, vivas ou mortas, merecem que a sociedade diga, com ações concretas: basta.

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