Há 20 anos, o jogo que desafiou a lógica: a inesquecível Batalha dos Aflitos | DMA Notícias

A vitória mais improvável completa duas décadas e segue viva na memória do futebol mundial.

Foto: Site Grêmio

Há exatos 20 anos, em 26 de novembro de 2005, o Estádio dos Aflitos, em Recife, foi palco de um dos jogos mais inacreditáveis da história do futebol mundial. Náutico x Grêmio, pela Série B daquele ano, era “apenas” uma decisão de acesso. Mas o que aconteceu naquela tarde transformou a partida em lenda: com dois pênaltis contra, quatro expulsões e apenas sete jogadores em campo, o Grêmio venceu por 1 x 0, garantiu o retorno à Série A e ficou com o título da Série B de 2005. O mundo batizou o duelo: “A Batalha dos Aflitos”.

O contexto já era dramático antes da bola rolar. O Grêmio vinha de rebaixamento, vivia crise financeira séria e precisava de pelo menos um empate para voltar à elite. O Náutico, empurrado por quase 30 mil torcedores nos Aflitos, precisava da vitória para também garantir seu lugar na Série A. Estava em jogo muito mais que uma partida: era sobrevivência esportiva e institucional.

Dentro de campo, o clima foi de tensão desde o início. O Náutico pressionava, criou chances e teve o primeiro pênalti ainda no primeiro tempo. Bruno Carvalho foi para a cobrança, mas mandou para fora, alimentando a sensação de que aquela seria uma tarde diferente. No segundo tempo, o cenário ficou ainda mais pesado. O Grêmio já tinha o lateral Escalona expulso, jogava retraído, segurando o 0 x 0 que lhe garantia o acesso, enquanto o Náutico rondava a área gaúcha em busca do gol salvador.

Aos 35 minutos da etapa final, veio o lance que mudaria tudo: o árbitro Djalma Beltrami marcou um segundo pênalti para o Náutico, em bola que bateu no braço de Nunes dentro da área. A marcação gerou revolta geral dos gremistas. Em meio à confusão, Patrício, Nunes e Domingos foram expulsos, somando-se ao vermelho anterior de Escalona. A Polícia Militar entrou em campo, dirigentes discutiram, jogadores cercaram o árbitro, e o jogo ficou paralisado por mais de 20 minutos, com o Grêmio à beira de abandonar a partida.

Quando finalmente a bola voltou a rolar, o cenário era praticamente impossível: o Náutico tinha um pênalti a favor, em casa, valendo o acesso, contra um Grêmio reduzido a sete jogadores, com o estádio inteiro em ebulição. Ademar foi para a cobrança. O chute saiu forte, mas o goleiro Galatto, que naquela tarde se eternizaria na memória tricolor, voou no canto certo e defendeu. Em questão de segundos, o roteiro virou filme: do rebote, o Grêmio armou um contra-ataque histórico, Marcel arrancou e tocou para o jovem Anderson, então com 17 anos, que avançou e bateu cruzado: gol do Grêmio. Silêncio nos Aflitos, explosão da torcida gremista.

O placar de 1 x 0 se manteve até o apito final, em um fim de jogo dramático, prolongado, nervoso. A vitória garantiu o título da Série B e o acesso imediato à Série A de 2006. Para um clube que vinha de um dos momentos mais difíceis de sua história, aquela tarde simbolizou a redenção. Para o Náutico, restou a frustração de ver a vaga escapar em um roteiro que parecia escrito para o time pernambucano – e que virou trauma e combustível ao mesmo tempo, a ponto de o próprio clube batizar seu retorno à elite em 2006 como “Batalha dos Aflitos 2 – A volta por cima”.

A repercussão foi imediata e atravessou fronteiras. A imprensa nacional e internacional fez reportagens especiais sobre o jogo. Veículos estrangeiros destacaram o caráter heróico da vitória gremista, a capacidade de resistir sob condições extremas e o clima de “filme de futebol” vivido em Recife. O feito virou livro — como “71 Segundos – o jogo de uma vida”, referência ao tempo entre a defesa do pênalti e o gol de Anderson — e documentário, caso de “Inacreditável – A Batalha dos Aflitos”, que ajudou a eternizar a partida para as novas gerações.

Passadas duas décadas, 26 de novembro de 2005 segue intocado na memória dos torcedores e na história do futebol brasileiro. Para o Grêmio, é talvez o jogo mais emblemático de sua trajetória recente, símbolo de superação em meio à crise. Para o Náutico, um capítulo doloroso, mas que também ganhou significado na identidade do clube. Para quem ama futebol, é um lembrete de por que o esporte é capaz de produzir narrativas que nenhum roteirista teria coragem de escrever: um time com sete jogadores, dois pênaltis contra, um goleiro herói, um menino que decide — e um estádio que, naquele dia, fez jus ao nome: Aflitos.

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