O Globo, ontem e hoje.

Entre o elogio de 1964 e as posições atuais, convidamos o leitor a julgar.

Nossa intenção não é dizer ao leitor o que pensar, mas oferecer base para que pense melhor. Olhando para a linha editorial de O Globo no passado e no presente, enxergamos um movimento de extremo a extremo. É legítimo que um jornal revise posições; o que nos inquieta é quando a revisão parece trocar apenas o sinal ideológico, sem recuperar o equilíbrio, que consideramos a régua do bom jornalismo.

Comecemos pelo passado. Na capa de 2 de abril de 1964, o editorial “Ressurge a Democracia” celebrou a intervenção militar e atribuiu às Forças Armadas a tarefa de “restaurar a Nação”. O texto, transcrito mais abaixo, é um documento eloquente de sua época: toma partido, aplaude a ruptura como se fosse antídoto democrático e prefigura anos de supressão de liberdades. Não traz gradações; traz certezas. E certezas absolutas são o habitat natural dos extremos.

Saltemos para o presente. O jornalismo atual de O Globo é notório e amplamente divulgado, com alcance digital que amplifica sua voz. Mudaram os alvos, mudaram os adjetivos — permanece a lógica binária? Essa é a pergunta que propomos. Quando a crítica vira pauta permanente a um campo e anuência sistemática a outro, não estamos diante de jornalismo explicativo, e sim de alinhamento. E alinhamento, seja qual for o polo, aperta o funil das perguntas: o que não confirma a tese perde espaço; o que contraria a narrativa vira “outlier”.

Reconhecemos: posições podem e devem ser alteradas quando fatos mudam. Há valor em revisão crítica — o jornal que reexamina 1964 com honestidade dá um passo civilizatório. O ponto é como se revisa. Revisar não é virar o pêndulo para o lado oposto; é recentralizar o método: checagem rigorosa, distinção clara entre notícia e opinião, pluralidade de fontes, autocrítica transparente sobre erros pretéritos e simetria na cobrança de poderes e atores — governo, oposição, Judiciário, mercado, movimentos sociais.

Por que insistimos no equilíbrio? Porque, sem ele, o jornal troca a função de serviço público pela de ator político. A consequência é previsível: leitores concordam de partida ou desligam de vez, e o espaço comum — onde dados e versões se testam — encolhe. Em tempos de ruído, mídia que abdica do centro do ringue empurra o debate para as bordas. O preço é pago na moeda da confiança.

Nosso ponto de vista: não concordamos nem com o passado que aplaudiu a tutela militar, nem com um presente que por vezes escorrega para a militância editorial. É a nossa leitura — não uma sentença. A provocação está lançada: leia o texto histórico abaixo, confronte com a cobertura atual e forme sua opinião. Se concluir que O Globo corrigiu rumos com equilíbrio, ótimo. Se enxergar apenas a troca de um extremo por outro, vale o alerta. Se perceber nuances, melhor ainda: sinal de que o leitor está no comando, e é assim que deve ser.

Editorial de “O Globo” do dia 02 de abril de 1964

“Ressurge a Democracia”

Foto: O Globo

Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.

Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.

Agora, o Congresso dará o remédio constitucional à situação existente, para que o País continue sua marcha em direção a seu grande destino, sem que os direitos individuais sejam afetados, sem que as liberdades públicas desapareçam, sem que o poder do Estado volte a ser usado em favor da desordem, da indisciplina e de tudo aquilo que nos estava a levar à anarquia e ao comunismo.

Poderemos, desde hoje, encarar o futuro confiantemente, certos, enfim, de que todos os nossos problemas terão soluções, pois os negócios públicos não mais serão geridos com má-fé, demagogia e insensatez.

Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares, que os protegeram de seus inimigos. Devemos felicitar-nos porque as Forças Armadas, fiéis ao dispositivo constitucional que as obriga a defender a Pátria e a garantir os poderes constitucionais, a lei e a ordem, não confundiram a sua relevante missão com a servil obediência ao Chefe de apenas um daqueles poderes, o Executivo.

As Forças Armadas, diz o Art. 176 da Carta Magna, “são instituições permanentes, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade do Presidente da República E DENTRO DOS LIMITES DA LEI.”

No momento em que o Sr. João Goulart ignorou a hierarquia e desprezou a disciplina de um dos ramos das Forças Armadas, a Marinha de Guerra, saiu dos limites da lei, perdendo, conseqüentemente, o direito a ser considerado como um símbolo da legalidade, assim como as condições indispensáveis à Chefia da Nação e ao Comando das corporações militares. Sua presença e suas palavras na reunião realizada no Automóvel Clube, vincularam-no, definitivamente, aos adversários da democracia e da lei.

Atendendo aos anseios nacionais, de paz, tranqüilidade e progresso, impossibilitados, nos últimos tempos, pela ação subversiva orientada pelo Palácio do Planalto, as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-os do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal.

Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais. Aliaram-se os mais ilustres líderes políticos, os mais respeitados Governadores, com o mesmo intuito redentor que animou as Forças Armadas. Era a sorte da democracia no Brasil que estava em jogo.

A esses líderes civis devemos, igualmente, externar a gratidão de nosso povo. Mas, por isto que nacional, na mais ampla acepção da palavra, o movimento vitorioso não pertence a ninguém. É da Pátria, do Povo e do Regime. Não foi contra qualquer reivindicação popular, contra qualquer idéia que, enquadrada dentro dos princípios constitucionais, objetive o bem do povo e o progresso do País.

Se os banidos, para intrigarem os brasileiros com seus líderes e com os chefes militares, afirmarem o contrário, estarão mentindo, estarão, como sempre, procurando engodar as massas trabalhadoras, que não lhes devem dar ouvidos. Confiamos em que o Congresso votará, rapidamente, as medidas reclamadas para que se inicie no Brasil uma época de justiça e harmonia social. Mais uma vez, o povo brasileiro foi socorrido pela Providência Divina, que lhe permitiu superar a grave crise, sem maiores sofrimentos e luto. Sejamos dignos de tão grande favor.”

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