Desgraça anunciada.

O Brasil caminha para novos déficits e dívida perto de 80% do PIB. A conta chega primeiro aos mais pobres — e não há espaço para o “circo” político.

Fica cada vez mais preocupante a situação das contas públicas. Mesmo com receitas crescentes, o descompasso com as despesas empurra o país para um déficit primário em 2025 na casa dos R$ 70 bilhões; quando se somam os juros da dívida, o déficit nominal salta para algo próximo de R$ 900 bilhões. Para 2026, o quadro projetado é pior: primário maior que o de 2025 e déficit nominal beirando R$ 1 trilhão, com dívida/PIB chegando perto de 80%. Nada disso é “número de planilha”: significa juros mais altos por mais tempo, menos investimento, serviços públicos pressionados e desigualdade ainda mais difícil de combater.

Antes de cobrar, é preciso chamar as coisas pelo nome. Resultado primário é receita menos despesa sem juros; resultado nominal inclui os juros do que já devemos. O Brasil hoje gasta muito para rolar a dívida — e, com juros reais ainda elevados, cada ponto percentual a mais custa bilhões por ano. Quando o governo não entrega trajetória crível de ajuste, o mercado exige prêmio de risco; o dólar sobe, a inflação ameaça, a taxa de juros demora a cair e o crescimento mingua. É um círculo vicioso que penaliza primeiro quem tem menos renda.

A verdade incômoda: não há solução indolor. O país precisa gastar melhor e arrecadar melhor, ao mesmo tempo — com calendário, metas e transparência. Cortar despesa ineficiente e renúncia vazia, preservar rede de proteção focalizada, abrir espaço para investimento público que destrave produtividade e parceria privada. Adiar esse debate para vender narrativa em rede social é cruzar os braços enquanto a conta cresce no fundo da gaveta.

Este editorial faz uma cobrança contundente — e é para todos os atores: Executivo, Congresso, Judiciário, governadores e prefeitos. Executivo: entregue âncora fiscal crível, limite real de gasto e execução do que foi aprovado; pare de prometer o que o Orçamento não comporta. Congresso: trate o Orçamento como lei, não como balcão; encerre a farra das emendas sem transparência e das bondades eleitorais que viram conta permanente. Judiciário: evite decisões que criam despesa obrigatória sem fonte. Estados e municípios: façam o dever de casa, com reforma administrativa local e mecanismos de ajuste.

Não se trata de cortar por cortar. É priorizar. Remédios possíveis e necessários: revisão de gastos tributários (isenções) com aferição anual de custo‑benefício; pente‑fino em subsídios creditícios e equalizações de juros; revisão de vinculações e pisos que engessam o Orçamento sem medir entrega; reforma administrativa com foco em carreiras de Estado, progressões e regras de ingresso; governança das estatais para dividendos previsíveis; parcerias e concessões com metas de investimento e qualidade; compliance de emendas com nota técnica de impacto; e regra de ouro respeitada com planejamento plurianual que seja levado a sério.

Há também o lado da receita que não é sinônimo de novo imposto: ampliar base com simplificação, fechar brechas de litigância infinita, acelerar transação tributária e contencioso com teto de desconto atrelado a compliance, expandir o uso de tecnologia para reduzir sonegação e fraude, e apoiar exportações e investimento para fazer a economia crescer de verdade — porque PIB maior ajuda a baixar dívida/PIB sem truque.

E, por favor, menos circo. Haja serenidade para parar de governar pelo timing do trending topic. A economia não obedece a likes; obedece a incentivos e confiança. Liderança é dizer “não” quando for preciso, explicar o motivo e sustentar as decisões. O Brasil já provou, em outros momentos, que consegue ajustar e voltar a crescer. Falta coragem coordenada — e compromisso com quem mais sofre quando tudo dá errado.

A desgraça anunciada só vira destino se aceitarmos a normalização do rombo. É hora de responsabilidade com o presente e com as gerações futuras. O país não precisa de mais espetáculo; precisa de gestão, prioridade e coragem. Quem tem mandato, entregue. Quem tem voto, cobre. E que a conta — enfim — volte a fechar.

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